Mudanças na lei de seguro de carga impactam transportadores

 Mudanças na lei de seguro de carga impactam transportadores
Karen Bispo*

Lei de Seguro de Carga, nº 14.599, promulgada em junho de 2023, trouxe mais transparência e possibilidade de regulamentação. Desde entãocoloquei em prática, junto com a minha equipe, um trabalho diário de comunicação com a nossa carteira de clientes para o esclarecimento das mudanças no setor de transporte/logística. Como sempre digo, é preciso ir além de uma simples venda de apólice para seguros de transporte de cargas, a fim de promover segurança operacional, inovação e sustentabilidade financeira, que é o nosso propósito.

Hoje, comento com vocês alguns casos práticos e no próximo artigo, vou mostrar os caminhos “mais seguros” para a sua logística.

A atualização da Lei nº 14.599 traz a obrigatoriedade de as empresas prestadoras de serviços de transporte rodoviário de cargas contratarem apólices de seguros de responsabilidade civil, que englobam riscos à carga de terceiros transportada e danos a terceiros.

RCTR-C e RCF-DC

Até a sanção da lei, apenas a apólice de RCTR-C (Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga), que cobre eventos envolvendo acidentes rodoviários, era obrigatória. E assim, muitos transportadores possuíam apenas esta apólice e ficavam expostos em casos de eventos de roubo de carga, sem a contratação da apólice de RCF-DC (Responsabilidade Civil Facultativa do Transportador Rodoviário por Desvio de Carga), que cobre eventos envolvendo roubo de carga. Agora, a contratação desta apólice também passou a ser obrigatória.

Muitos transportadores possuíam a Carta DDR (Dispensa do Direito de Regresso) emitida pelo embarcador, através de sua apólice própria; com isso, os sinistros de roubo eram comunicados na apólice do embarcador e o mesmo isentava o transportador da responsabilidade em sinistros de roubo, desde que ele cumprisse com as exigências da DDR como limites e regras de gerenciamento de risco.

Já os transportadores que possuíam a apólice de RCF-DC e também tinham a carta de DDR de alguns embarcadores, tinham a isenção de cobrança desses embarques em sua fatura de roubo, porém tinham um trabalho operacional imenso, uma vez que cada DDR possuía condições específicas e o transportador deveria seguir a regra de cada carta, dificultando a administração, o que impactava no não cumprimento efetivo na maioria dos casos, gerando problemas judiciais contra o transportador. Imagine que ao invés de seguir uma regra única de gerenciamento de risco para todos os embarques, o transportador deveria seguir com uma regra de PGR para cada operação com DDR, além de atentar para as regras da sua própria apólice, nos embarques sem DDR.

Junto com a Carta DDR, alguns embarcadores emitiam também a apólice de estipulação ou apólice exclusivas de RCTR-C em nome do transportador, e ela o isentava de responsabilidade e cobrança em sua apólice de acidentes.

A apólice de RCF-DC passou a ser obrigatória e assumiu a sigla RC-DC (Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga), já que deixou de ser facultativa. Essa obrigatoriedade trouxe a proibição da isenção de averbação e faturamento de embarques, ainda que tivessem cartas de DDR e Apólices de Estipulação (emitidas após a data de sanção). Ou seja, todos os embarques passaram a ter a averbação do seguro obrigatória, obedecendo a sequência numérica dos documentos. Assim, devendo existir o devido ajuste no valor do serviço cobrado pelo transportador ao embarcador, uma vez que os embarques que não tinham custos para o transportador anteriormente, passaram a ter.

A Carta DDR não foi proibida, ela só perdeu a função de tirar a responsabilidade do transportador sobre a carga transportada, bem como a função da isenção do faturamento na apólice de RC-DC, funcionando com um acordo entre partes.

Então, o que mudou com a sanção da lei é que a carta de DDR (ou Carta Conforto, como passou a ser chamada também) ainda pode ser emitida pelo embarcador; e uma vez que assinada entre as partes, o transportador deve averbar o embarque em sua apólice, havendo o faturamento em sua fatura normalmente, porém deverá cumprir com as obrigatoriedades da carta, para que não ocorra ação de regresso contra eles.

Muitos embarcadores optaram por cancelar suas cartas de DDR e deixar a responsabilidade 100% com o transportador, com o devido ajuste do valor do frete. Considero este o melhor cenário, pois o transportador deverá seguir apenas com as exigências e PGR (Programa de Gerenciamento de Risco) de sua apólice, facilitando o trabalho operacional, trazendo flexibilidade e autonomia no dia a dia.

E com relação às apólices de estipulação de RCTR-C ou apólices exclusivas, estas passaram a ser proibidas, exceto em casos de transportadores que pertençam ao mesmo grupo econômico do embarcador. Ainda assim, os embarques devem ser averbados na apólice de RCTR-C do transportador, em rigorosa sequência numérica dos documentos emitidos.

A lei permite que o PGR seja aplicado também na apólice de RCTR-C, mas isso ainda não está vigorando, uma vez que será necessário um estudo profundo de como o PGR poderá ser efetivo nos riscos cobertos por esta apólice.

RC-V

Outra mudança bastante interessante para o setor foi a obrigatoriedade do seguro de RC-V (Seguro de Responsabilidade Civil Veicular) que cobre danos materiais e corporais contra terceiros, causados pelo veículo ou carga, durante o transporte.

Esse produto somente existia para transportadores com frota própria, como uma cobertura adicional dentro da apólice de seguro auto frota, deixando embarques com veículos de motoristas terceiros, sem esse amparo. Agora, os transportadores devem contratá-lo para os veículos de motoristas terceiros também, através da apólice de RC-V.

É um produto “novo” e as seguradoras tiveram que passar por adaptações. Para as cias. que já homologaram o produto. Porém no final de 2024, tivemos uma atualização que prevê que este produto ficará vinculado à carteira de automóvel e sem aplicação de franquia.

Considerações

Por fim, considero esse avanço de forma muito positiva, pois é uma garantia a mais para o transporte de carga. Antes não tínhamos cobertura que amparasse danos contra terceiros, causados por veículos de motoristas agregados/ avulsos e o transportador novamente ficava exposto, sem nenhuma alternativa. Agora, com a contratação obrigatória da apólice de RC-V, podemos ter uma tranquilidade maior.

Afirmo que a nova lei trouxe muitos pontos positivos para o transporte de carga, pois sabemos como ele é relevante em situações que poderiam determinar a continuidade ou não da atividade do transportador.

Acredito que o melhor cenário seria uma mudança cultural a respeito da contratação de seguros no Brasil, através da qual não fosse necessária uma obrigatoriedade, mas sim pela necessidade do segurado, que mostre a sua responsabilidade com o mercado e pelo cumprimento das boas práticas.

Enquanto isso não é uma realidade, seguimos avançando na conscientização dos segurados e sempre pensando nas melhores soluções na busca por promover segurança operacional, inovação e sustentabilidade financeira, contribuindo com o equilíbrio da atividade econômica do país.

* CEO da Shamah, corretora e consultoria especializada em Seguros de Carga

Foto: Divulgação

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