A Last Mile na Corda Bamba

 A Last Mile na Corda Bamba
Bruno Batista*

Philippe Petit não é um profissional da logística. Longe disso. Ele é o extraordinário equilibrista que em 1.974 atravessou por um cabo a mais de 400 metros de altura, sem nenhuma proteção, o espaço entre as Torres Gêmeas do World Trade Center em Manhattan. Com essa façanha, simultaneamente maravilhou e chocou o mundo.

Mas, para chegar a tal nível de autoconfiança e precisão, além de planejamento apurado e treinamento exaustivo, ele teve sempre em mente uma lição recebida de seu mentor: “A maioria dos equilibristas morre nos três últimos passos. Eles acham que chegaram lá. Ficam arrogantes e morrem”.

Fazendo uma analogia com o e-commerce, estruturado a partir de fases sequenciais complexas e inter-relacionadas de informação, armazenagem, transferência e transporte, os “três últimos passos” correspondem à famosa last mile. É aqui que estão os maiores desafios. Vejamos o cenário.

A última milha abrange a etapa final da venda, em que a transportadora retira o produto da instalação final (por exemplo, centro de distribuição ou loja física) e o direciona ao local definido pelo consumidor (residência, smart locker, PUDO ou outra localidade). Com consumidores cada vez mais exigentes em termos de tempos de recebimento e de valores de fretes, oferecer entregas mais rápidas e flexíveis tornou-se um diferencial competitivo, um ativo para a fidelização de clientes.

Atentas a isso, o que temos visto são empresas investindo pesadamente em veículos mais ágeis, em roteirização dinâmica, no treinamento de equipes e no aprimoramento dos sistemas de informação. Ou seja, existe uma mobilização interna para se fazer da melhor forma possível o dever de casa.

Contudo, ao longo desta etapa final é que surgem alguns dos principais fatores externos ao controle das empesas e que impactam o seu desempenho: trânsito, equipamentos urbanos e segurança_ que são de responsabilidade do estado. A pergunta que se faz é, então: a eficiência na última milha esbarrará em uma barreira pública limitante?

Fortaleza, Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo estão listadas entre as 70 cidades com o tráfego mais lento dentre as 501 monitoradas pelo Índice Tomtom em 2024, que considera tempos de viagem e níveis de congestionamento. E essa não é uma boa notícia sabendo-se que os fatores estáticos_ aspectos fixos da infraestrutura e do planejamento que influenciam o tempo de viagem_ pouco evoluem em nossas cidades. Assim, projetos viários antigos, ruas estreitas, vias sem ampliação e cruzamentos complexos tendem a continuar impactando o fluxo do tráfego. Isso com uma frota veicular que dobrou nos últimos 15 anos.

Inexistem estatísticas consolidadas sobre áreas de carga e descarga em nossas cidades_ uma grave deficiência dos Planos Diretores. Contudo, a realidade empírica mostra disputas nos poucos locais disponíveis, ocupações indevidas por veículos de passeio e má sinalização. Assim, comportar entregas do e-commerce, com projeção de crescimento de 2 dígitos ao ano, será um desafio permanente.

Mesmo com variações de valor a partir de diferentes pesquisas, estima-se que o prejuízo causado pelo roubo de cargas no Brasil tenha sido da ordem de R$1,2 bilhão no ano passado. Infelizmente não há detalhamentos mais profundos que permitam mensurar a parcela das ocorrências em áreas urbanas. Por outro lado, a restrição à instalação ampla de armários inteligentes para a entrega de mercadorias parece indicar um baixo nível de confiança das empresas em relação à segurança, mesmo em locais de grande fluxo de pessoas. A tão desejada omnicalidade fica, então, prejudicada.

Assim, como analisado no livro A Logística do e-commerce Brasileiro, de minha coautoria, a logística de última milha é uma das atividades mais críticas na cadeia de suprimentos, sendo apontada por muitos como a mais cara, menos eficiente e de maiores efeitos ambientais.

Nesse contexto, fica clara a necessidade de se caracterizar e dimensionar os problemas por meio de estudos técnicos e pesquisas de qualidade, que permitam a identificação das soluções mais viáveis. E, mais que isso, destaca-se a importância da atuação de uma entidade como a Abralog, que representa as maiores empresas do e-commerce brasileiro e que lidera as tratativas com os diversos órgãos governamentais responsáveis.

A last mile é fundamental para o sucesso do e-commerce e deve ser pensada como parte integrante de um processo que precisa ser eficiente em seu todo. Isso porque é nela que ocorre a decisiva interface final com o consumidor que, tal como o público que assiste com expectativa ao equilibrista a 400 metros de altura, quer encontrar um grande sorriso ao final dos três últimos passos.

*Especialista em transporte e logística e CEO da 2Innovate Consultoria

Foto: Divulgação

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